Ponte... nas Ondas!

Socorro Lira

Nasci no ano de 1974, no sítio Silva, zona rural de Brejo do Cruz, Paraíba, Nordeste Brasileiro. Fui batizada Maria do Socorro Pereira e mais tarde fui chamada de Socorro Lira, por causa de meu pai, Zé Lira. Minha mãe se chama Benedita, e foi quem [me] formou a pessoa que sou hoje. Ela trabalhava muito e cantava enquanto trabalhava; sua cantiga preferida era o aboio, o canto dos vaqueiros.

Cresci ali e além de Mãe que cantava e contava histórias lindas, eu ouvia cantoria de viola (repente) pelo rádio, ia aos forrós na casa de Dona Zefa, tocava lata acompa-nhando meu tio Antônio Gavião, um exímio tocador de Berimbau de Lata.

Quando comecei a freqüentar a escola me interessei bastante pela leitura e a literatura de cordel me foi um grande achado. Tomei gosto pela poesia. Eu queria ser escritora, mas brincava muito e não tinha tempo para a escrita. Hoje trabalho demais e ainda não tive tempo de escrever, a contento, os livros que desejo publicar. Exceto um único que fiz, de poemas.

Com quatorze anos e meio saí da roça e fui morar na cidade, Brejo do Cruz. Então, tive contato com um mundo já tão grande para a medida que eu tinha…que me assustei, de começo. Mas logo tratei de me acostumar com a novidade, com certas “modernidades” que por ali chegavam aclamadas como maravilhas do Sul e do Sudeste do Brasil. Uma delas, a TV, me fascinou muito. Via os cantores e as cantoras nos programas de domingo, achava aquilo uma maravilha.

Nesse momento me envolvo com o movimento juvenil da igreja católica, espaço onde aprendi muito sobre mim e sobre a vida; sobre nossa realidade social, sobre o Nordeste dentro do Brasil. Compreendi que muita coisa precisava mudar. Levantei bandeira do partido político que me encantava e que prometia resolver os graves problemas sociais do povo brasileiro. Engajei-me em movimentos populares. No colégio, fui dirigente de grêmio estudantil. Virei professora e lutei no sindicato. Esse foi, certamente, o momento mais fecundo da minha vida em termos de aprendizado. Refletir sobre o meu país e a América Latina, sobre os problemas ambientais que ameaçam o planeta me fez mais alerta. Compreendi algumas coisas que definiriam meu caminho mais à frente.

Um pouco depois, em 1995, fui morar numa vila rural de Alagoa Grande onde trabalhei na organização de grupos, principalmente mulheres, com vistas à ocupação de terras naquela região do Brejo Paraibano. Ao mesmo tempo entrei na Universidade Estadual da Paraíba, em Campina Grande, vindo a me formar no ano 2000 em Psicologia Social. Ainda nesse momento, comecei a estudar violão no Departamento de Artes da Universidade Federal da Paraíba, na mesma cidade.

Em Campina Grande tive contato com cinema, museus, teatro, música. Conheci pessoas muito generosas que me ajudaram a traçar os primeiros passos na música. Então, um pouco afastada do Sertão, pude voltar o olhar para minha terra e perceber como ela tem valores, como é rica! Se um dia a moeda for caráter e decência, em vez de dinheiro, a gente dali nunca mais será pobre.

Fui atrás desses poetas, dessas cantadeiras, das dançadeiras, dos tocadores, das cirandeiras e coquistas de Caiana dos Crioulos. À medida que me voltada para o meu lugar, mais longe eu via… Muito além dos limites da Paraíba; e vi o Brasil e comecei a enxergar o mundo, agora relativamente pequeno imerso no processo de globalização.

Dentro disso que eu via, ouvia e vivia nos grupos tradicionais, na comunidade, com colegas, amigos e amigas compus cada vez mais canções e vieram os CDs. E veio São Paulo e assim por diante. E junto, a responsabilidade para com essa história que não é somente minha e, sim, coletiva. De modo que minha canção não deverá jamais se afastar dessa motivação inicial que é um certo apaixonamento pela vida e seus motivos. A justiça, a liberdade, o serviço, a compaixão, a paixão, o afeto, o amor irrestrito… para mim essas forças são tão necessárias quanto oxigênio, água e pão. Eternas buscas.

Gostaria que minha estada na Terra fosse útil, especialmente para minha gente do Sertão da Paraíba, do Nordeste e do Brasil, claro. Carrego no coração muitas angústias e projetos. E coragem, muita coragem de trabalhar para realizá-los. A maturidade nos traz a tranqüilidade de quem planta hoje para colher quando bem frutificar. Confiar no pulso firme do tempo e da natureza é uma lição que só se aprende vivendo.

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